
Você já se sentiu paralisada diante de uma folha em branco? Já teve uma ideia promissora para um conto, crônica ou romance, mas desistiu antes mesmo de começar, convencida de que “não sairia tão bom quanto deveria”? Se a resposta for sim, bem-vinda ao universo silencioso (e muitas vezes solitário) do perfeccionismo.
O perfeccionismo não é apenas uma vontade de fazer bem feito — ele é uma necessidade constante de alcançar um padrão inalcançável. E quando se trata da escrita literária, esse padrão é quase sempre imaginário, cruel e sufocante. Para quem escreve, o perfeccionismo pode ser o maior vilão da criatividade. Ele te convence de que o texto nunca está pronto, de que suas palavras não têm força suficiente e de que os outros sempre saberiam dizer melhor.
Mas o problema vai além da literatura. Esse mesmo comportamento costuma invadir outras áreas da vida: relacionamentos, trabalho, imagem pessoal. Uma pessoa perfeccionista, muitas vezes, está presa em uma constante cobrança, um eterno “poderia ter feito melhor”, mesmo quando já deu tudo de si.
Neste artigo, vamos explorar as origens do perfeccionismo, como ele se manifesta na escrita e no cotidiano, e — principalmente — como aprender a lidar com ele sem perder sua sensibilidade, seu capricho e sua essência criativa.
Perfeccionismo: quando o medo se disfarça de exigência
À primeira vista, o perfeccionismo parece algo bom. Afinal, quem não quer fazer um bom trabalho? Quem não quer entregar o melhor de si? Mas a diferença entre dedicação e perfeccionismo é grande. A dedicação vem do desejo de construir algo significativo. Já o perfeccionismo, do medo de falhar, ser julgado ou rejeitado.
Na escrita, esse medo se revela de formas sutis:
- Você escreve, mas nunca finaliza.
- Você reescreve obsessivamente, perdendo a espontaneidade.
- Você compara seus rascunhos com obras publicadas, esquecendo que grandes livros passaram por muitas revisões antes de serem impressos.
O perfeccionista tem medo de não ser suficiente — e, por isso, tenta compensar esse medo buscando uma perfeição inatingível. Só que, ironicamente, quanto mais tenta atingir esse ideal, mais se frustra. E a frustração leva ao bloqueio, à desistência e, muitas vezes, à sensação de não ser bom o bastante para escrever, criar ou viver de forma leve.
O impacto do perfeccionismo na escrita literária
Na escrita literária, o perfeccionismo costuma vir acompanhado de um narrador interno crítico, que julga cada linha antes mesmo que ela seja concluída. Essa voz diz:
- “Esse personagem está superficial.”
- “Ninguém vai se interessar por esse tema.”
- “Você está escrevendo como uma amadora.”
- “Desista, ainda não está à altura.”
Esse julgamento constante mata a fluidez. E a criatividade precisa de espaço. Ela não floresce sob vigilância, e sim sob confiança.
Além disso, o perfeccionismo nos faz perder o encantamento com o processo. Escrever, quando feito com leveza, é um mergulho interno, uma brincadeira com palavras, um reencontro com a intuição. Mas o perfeccionismo transforma isso em um campo de batalha entre o que você sente e o que acha que “deveria ser”.
O perfeccionismo fora da escrita: o mesmo padrão, outras máscaras
Fora da escrita, o perfeccionismo se manifesta com a mesma raiz: o medo de errar, de não agradar, de não corresponder. Isso pode aparecer como:
- Exigência excessiva com o próprio corpo: nunca se achar bonita o suficiente.
- Dificuldade em tomar decisões simples: medo de fazer a escolha errada.
- Autossabotagem em relacionamentos: evitar se abrir para não decepcionar.
- Sensação crônica de insuficiência: mesmo quando há conquistas, o sentimento é de que ainda falta algo.
O perfeccionismo, quando não identificado, vai consumindo a espontaneidade da vida. Pessoas perfeccionistas têm dificuldade em relaxar, em errar com leveza, em rir de si mesmas. E aos poucos, vão se desconectando de quem realmente são — pois estão sempre tentando ser uma versão idealizada.
Como lidar com o perfeccionismo na prática?
1. Pratique a escrita livre
Reserve um tempo para escrever sem meta, sem objetivo, sem revisão. Apenas deixe as palavras saírem. Pode ser um diário, uma cena aleatória, uma carta que nunca será enviada. O importante é tirar a pressão do “precisa ficar bom”. Esse é o primeiro passo para reconquistar sua liberdade criativa.
2. Lembre-se de que rascunhos não precisam ser brilhantes
Todo texto nasce imperfeito. Até os grandes escritores reescrevem dezenas de vezes. Quando você entende isso, fica mais fácil aceitar que a primeira versão não é uma sentença — é apenas o ponto de partida.
3. Compartilhe mesmo com medo
Mostre seu texto para alguém de confiança antes de “terminar”. Ou publique algo pequeno nas redes. Isso quebra o ciclo de esconder até atingir a perfeição — e mostra que, muitas vezes, os leitores enxergam beleza onde você só vê falhas.
4. Use sua sensibilidade como aliada, não como carrasca
Pessoas perfeccionistas costumam ser sensíveis, atentas aos detalhes, cuidadosas. Isso é lindo. O problema é quando essa sensibilidade se vira contra si. Em vez de usá-la para criar, você a usa para se criticar. Que tal transformá-la em gentileza?
5. Reflita sobre a origem dessa cobrança
De onde vem a sua exigência? Da infância? De comparações? De um ambiente que valorizava apenas o desempenho? Entender as raízes ajuda a ressignificar o presente. E talvez você descubra que já pode descansar dessa missão de se provar o tempo todo.
A escrita perfeita não existe. A vida perfeita também não. E isso, longe de ser desanimador, é libertador. Significa que você pode errar, recomeçar, mostrar vulnerabilidade — e ainda assim ser profundamente válida, interessante e digna.
A literatura mais potente não é aquela tecnicamente impecável, mas a que toca. E o que toca, muitas vezes, vem das frestas, das falhas, do que é humano. O mesmo vale para você. O que te torna admirável não é a perfeição, mas a coragem de continuar mesmo quando duvida de si.
Se você ama escrever, escreva. Se tem medo, vá com medo mesmo. Lembre-se: é melhor um texto imperfeito publicado do que uma ideia brilhante trancada em uma gaveta. E mais importante que isso: é melhor uma vida real e vivida, do que um roteiro de perfeição que sufoca sua essência.
A perfeição não é o destino. É a pausa. A prisão. O travamento.
A leveza, por outro lado, é o caminho de volta para casa. Para sua voz. Para sua verdade. Para o que realmente importa.

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